janeiro 23, 2006

 

Eu bem que avisei...

Não que eu ache que minha matéria da semana passada seja nenhum insight especialmente genial, mas é engraçado ver como os nossos pensamentos ecoam nas mentes dos peixes grandes.

Essa matéria do The Times Online (em inglês), por exemplo, mostra os executivos da Nintendo dizendo exatamente a mesma coisa que eu disse sobre a necessidade de expandir o mercado - inclusive usando uma das idéias que eu estava guardando para discutir num futuro artigo sobre os mercados consumidores potenciais, que é a de ir atrás do público da terceira idade.

Em resumo, a matéria fala da campanha de lançamento européia do jogo Brain Training, para o Nintendo DS, com o tema "Keep evolving." - Continue evoluindo - e anúncios publicados na revista Sage, direcionada à terceira idade. A parte mais interessante é o comentário do diretor de marketing da Nintendo no Reino Unido, Dawn Paine. Ele diz:

"A indústria de jogos vai ter que expandir seu mercado. Embora tenha havido um bom crescimento em termos de venda de unidades e valor ao longo dos últimos 20 anos, a proporção de pessoas que possuem máquinas de jogos permaneceu estagnada ao redor de 30 por cento."

Isso só mostra que a Nintendo não tem apenas uma boa arma nas mãos, com o seu futuro console - codinome Revolution - inovando radicalmente em interface e estilo. Ela também sabe como usá-la!

janeiro 18, 2006

 

O Caminho das Pedras - problemas e suas (possíveis) soluções no mercado nacional de jogos - parte 2

Na primeira parte do artigo, concluímos que o primeiro passo para desenvolver uma indústria de jogos nacional forte e soberana era aprender com os erros da indústria americana (cujo público é o mais parecido com o nosso, logo há uma tendência entre nós de seguirmos os passos dela) e evitar os estilos consagrados e dominados por grandes desenvolvedores com muito mais experiência e orçamento do que os nossos.

Porém, se por um lado inventar todo um novo estilo de entretenimento eletrônico é uma coisa infinitamente complicada, por outro também não é apenas isso salvará a indústria brasileira de jogos de virar um irmão menor maltratado e ignorado das grandes companhias internacionais. Isso é só metade da história. A outra metade, e que é o grande pulo do gato, na minha opinião, é cativar no público que NÃO joga atualmente. É isso mesmo. Ignorar os gamers de hoje em dia, e fazer jogos para quem não encosta num videogame ha muito tempo, se é que já encostou na vida! Embora muitos gamers possam estar se sentindo magoados agora, essa é a dura realidade: enquanto mercado consumidor, os jogadores atuais são um nicho minúsculo. E justamente porque eles são... gamers!

Permitam-me esclarecer. Todo mundo acha que o mercado brasileiro é ruim por causa da pirataria. Ou por causa dos impostos altos. Ou por ambos. Eu digo que isso é bobagem! O mercado brasileiro está ruim porque há anos ele deixou de ser incentivado. A maior prova disso é que qualquer campanha relativamente bem-feita de marketing de um jogo ou sistema, no Brasil, dá resultados. O problema é justamente esse: o marketing.

Um pouco de história pode ajudar a entender a situação atual do mercado. Na década de 90, as grandes empresas produtoras de consoles eram oficialmente representadas no Brasil, e o mercado era bastante próspero. Eis que, lá fora, a Sony lança o PlayStation. É a chegada da era 3D. Infelizmente, por uma confusão de direitos relativos ao nome do PlayStation, a Sony decide não lançar oficialmente o console no Brasil. Pouco tempo depois, a pirataria de CDs explode, e com ela, naturalmente, vem a pirataria de jogos do PlayStation. As pessoas começam a comprar o console da Sony porque os jogos são bem mais baratos do que os da Nintendo, paralelamente a Sega mete os pés pelas mãos e o Saturn fracassa, dando assim um golpe mortal na Tec Toy. Enquanto isso, perdendo território e jogadores para o console da Sony, a Nintendo finalmente se manda do Brasil. Certo?

Errado. Não foi exatamente a pirataria que afastou os consumidores da Nintendo, mas sim a mudança radical que os jogos sofreram devido à migração do 2D para o 3D. As pessoas que pararam de comprar videogames nessa época são as mesmas que pararam de comprá-los nos EUA e no resto do mundo na mesma época. Uma grande parcela dos jogadores das décadas de 80/90 simplesmente não se adaptaram ao 3D.

Então, por que o mercado nos EUA não morreu como o brasileiro? Porque ele se renovou. A Sony soube encontrar um novo nicho para seu PlayStation, e ela fez isso com marketing. Mirou no público que achava que videogame era coisa de criança (a Nintendo tinha uma política muito restrita quanto a violência e conteúdo adulto em jogos para seus consoles), e acertou em cheio. A quantidade de jogadores que entraram no mercado foi maior do que a quantidade de ex-jogadores que abandonaram os games. No papel e nas estatísticas, o mercado cresceu. E o que aconteceu de fato foi uma mudança drástica no perfil do gamer americano.

Só que no Brasil, não houve campanha nenhuma. Quem abandonou os jogos, abandonou de vez. Da grande massa de público que tinha (e tem) imenso potencial para gostar de jogos, só uma minúscula porcentagem foi angariada, por divulgação boca-a-boca ou por puro acaso ao se perguntar o que diabos o camelô estava vendendo que era tão colorido. Paralelamente, o público que já consumia produtos piratas absorveu rapidamente a novidade. E um bando de jogadores hardcore dedicados, que não queriam ficar órfãos dos consoles da noite pro dia, acabou sendo atraído para o produto pirata.

Hoje, enquanto publishers e o governo batem boca sobre quem nasceu primeiro, o ovo (imposto) ou a galinha (pirataria), a verdade é que a pirataria que existe hoje já é cultural – já era antes do PlayStation aparecer – e nada do que se faça vai mudar os hábitos de consumo de quem compra jogos piratas. Mas o que ninguém percebe, é que esses consumidores da pirataria são uma parcela ínfima perto da parcela economicamente ativa e disposta a comprar jogos, caso algum jamais os pareça interessante.

O problema é que não parecem. Não há campanha nenhuma direcionada para esse público. Na verdade, não há campanha alguma a favor de jogos que não seja direcionada ao público hardcore, e esse já consome pirataria ha tempo demais para repentinamente agora querer pagar 10 a 25 vezes mais pelo mesmo produto – produto esse que muitas vezes é uma releitura ou continuação de um outro produto, feita única e exclusivamente para apelar ao público que comprou as versões anteriores. De todos os lados, só o que se vê são vícios – vícios de produção, de mercado, de consumo – e nenhuma atitude, por menor que seja, para reverter a situação e trazer um pensamento novo a um mercado que ainda está engatinhando, e até por isso deveria ser inovador e livre de cacoetes.

Se duvidam da minha palavra, pensem em quantos jogadores de Ragnarok vocês conhecem que nunca jogaram nada no computador antes. E isso porque a campanha da LevelUp nem foi muito longe além das bordas do microverso gamer. Os MMORPG são um estilo muito diferente dos jogos de console e dos single player comuns, e bastou uma pequena campanha oficial para que se espalhassem como vento. Jogos de celular, apesar de ignorados pelos gamers "hardcore", estão em rápida expansão e vão atingir um mercado muito maior do que os jogos de console ou PC bem antes do fim da década. O segredo deles? O marketing que as próprias operadoras fazem, direcionado a um público que, em sua maioria, nunca tinha sido atraído por jogos eletrônicos antes. Até mesmo alguns consoles antigos, de mais de 10 anos de idade, volta e meia são vendidos nos balcões de lojas de departamento pelo Brasil afora, simplesmente porque, para um leigo, aquilo é tão "videogame" quanto um PlayStation2 ou um GameCube.

Há um medo muito grande por parte dos produtores em se arriscarem dessa maneira a buscar um público que não é gamer. Os gamers, como qualquer outra cultura "underground", são sectários e desprezam quem é "de fora" (e que fique bem claro, só no Brasil somos underground. Nos EUA, a televisão exibe uma propaganda de videogame por intervalo durante transmissões de campeonatos de futebol ou beisebol, por exemplo, e as campanhas de divulgações de consoles e jogos são massivas. No Japão nem se fala. Na Coréia, onde a pirataria é tão ruim ou pior do que aqui, os cyberatletas são celebridades nacionais e os campeonatos de games são amplamente divulgados). Produzir jogos para os "menos dignos" é ter a certeza de ser desprezado pelo público hardcore. Mas, financeiramente falando, dadas as proporções entre os hardcore e os potenciais, e dado o fato de que 90% do mercado movimentado pelos gamers atuais é pirata e não dá lucro pra ninguém além do tráfico de drogas, isso não deveria ser a preocupação de nenhuma empresa, publisher ou estúdio brasileiro nesse momento.

Então, é isso. Dois passos decisivos para o Brasil criar um mercado infinitamente lucrativo (porque entretenimento eletrônico, quando vencido o preconceito criado pela má divulgação da mídia ao longo de sua história, é o produto mais vendável do mundo): Criar jogos de estilos diferentes e para um público diferente. Não adianta bater de frente com os gigantes. Vamos mirar em todo o público que eles estão ignorando – e rápido, porque mais cedo ou mais tarde eles acordam. A Nintendo já deu sinais de que percebeu isso, com sua estratégia de marketing do Revolution claramente direcionada para a família e os jogadores chamados "casuais."

Na verdade, se agirmos rápido, podemos até estabelecer um mercado forte o suficiente para começarmos nós mesmos a exportar para fora. Não é impossível – mais uma vez, vejam o exemplo da Coréia. É uma questão de visão, pensamento "fora-da-caixa" e rapidez. E eu tenho certeza que esses são requisitos muito fáceis de se achar em quem é apaixonado por jogos eletrônicos!

Claro que existem vários obstáculos cabeludos a serem vencidos, especialmetne o pré-conceito da maioria das pessoas não-jogadoras ao ouvirem a palavra "game", mas isso eu deixo para um próximo artigo.

janeiro 09, 2006

 

O Caminho das Pedras - problemas e suas (possíveis) soluções no mercado nacional de jogos - parte 1

Todo mundo que se interessa por jogos eletrônicos além da trivial questão "o que comprar no camelô semana que vem" ou "o que dar pro meu filho no Natal" sabe que o mercado brasileiro está simplesmente errado. Dominado pela pirataria, recebendo efusivos incentivos verbais e iniciativas limitadas por parte do governo, ignorado por quase todas as forças econômicas brasileiras, a coisa realmente não parece em condições ótimas para os desenvolvedores de jogos nacionais – muito embora o surgimento de vários cursos nessa área de uns anos para cá tenha feito parecer que o nosso mercado de games está prestes a explodir em glória, ao menos para os alunos dos mesmos.

Eu mesmo sou um desses estudantes de game design, que entrou num curso crente que iria sair de lá direto para o estrelato como o designer-revelação do Independent Games Festival do ano seguinte. Obviamente, é natural que a realidade ajude a diminuir bastante as expectativas de um jovem sonhador, mas ainda assim, será que o Brasil não merecia um mercado mais inteligente e coeso do que o que se apresenta hoje em dia? Será que um mercado de jogos eletrônicos no Brasil é um sonho impossível?

Eu espero não estar sendo muito ousado ao dizer: não, definitivamente não! E pretendo compartilhar algumas das opiniões que me levam a crer que realmente há um mercado milionário esperando para ser descoberto em terras brazucas, mas ele – surpresa, surpresa – não está aonde todos o estão procurando.

Antes de analisar o mercado brasileiro, é necessário analisar o mercado de jogos como um todo. Recentemente, a indústria norte-americana de jogos alardeou aos quatro ventos que tinha ultrapassado a indústria cinematográfica em geração de lucros. Certamente todo mundo (ao menos, todo mundo que se dá ao trabalho de ler um blog sobre o assunto, como este) já ouviu isso em algum lugar e se sentiu muito orgulhoso. Porém, isso não é nem de longe verdade. Primeiro de tudo, a comparação é entre lucro de venda de jogos versus lucro de box office, ou seja, bilheteria. Se levarmos em conta o mercado de home video/DVDs, que hoje em dia é responsável por metade do lucro das produtoras de cinema, a indústria de jogos perde de muito. E isso sem nem entrar no mérito do merchandising.

Além disso, o excelente blog Lost Garden, mantido por um insider da indústria com currículo extenso e idéias bastante inovadoras (leitura obrigatória para quem sabe inglês, aliás), publicou recentemente um artigo fantástico chamado "Um Programa de Cinco Passos para Evoluir Além dos Jogos"[1], que diz que, segundo estatísticas, enquanto o mercado norte-americano está de fato crescendo, a taxa de crescimento é de 7,3% ao ano, muito longe de ser um mercado em franca expansão. Como objeto de comparação, ele mostra que o mercado de aparelhos celulares cresce à taxa de 19,1% ao ano. Além disso, a base instalada de consoles nos EUA é de 35 milhões de aparelhos, enquanto a de TV a Cabo, por exemplo, é de 200 milhões, e a de PCs de 500 milhões. Logo, o mercado americano nem é grande, nem está crescendo rapidamente como a "ultrapassagem" sobre o cinema faria deduzir. Além disso, a ilusão de crescimento incha a indústria, mas não a massa consumidora. Isso gera uma competição feroz por uma fatia fixa do público enquanto uma quantidade muito maior de consumidores em potencial permanece ao largo do mercado. O autor resume sua opinião no seguinte trecho:


"Então, nossa grande população de jogadores é realmente uma coisa insignificante se você olha de fora da nossa pequena comunidade insluar. Enganamos a nós mesmo dizendo que a indústria 'venceu' porque os poucos jogadores que angariamos gastam uma imensa quantidade de dinheiro. Nós temos até eventos badalados na MTV. Desculpem."


Mas o que os problemas do mercado norte-amerciano têm a ver com o nosso inexistente mercado brasileiro? Para ser bem direto: tudo. O mercado brasileiro se espelha no americano até o último fio de cabelo, e quanto mais nós somos ignorados pelas softhouses e empresas americanas, mais tentamos ser iguais a eles. Então, se o sistema deles tem sérias falhas, é essencial ao nosso mercado entender e evitar a repetição inútil de erros já cometidos historicamente em outro lugar, mesmo que esse outro lugar seja nosso sonho de consumo (ou principalmente).

O maior e mais grave erro do mercado brasileiro é tentar competir com o norte-americano. É uma corrida impossível de vencer, visto que eles têm 20 anos de vantagem em relação a nós, E o produto deles já estabeleceu seu mercado consumidor aqui. Gamers que jogam os jogos americanos e japoneses dificilmente vão abandoná-los para ficar com os nacionais. E não é por preconceito e nem por diferença de qualidade, mas sim porque os jogos brasileiros são, em 90% dos casos, "derivados" (para não dizer copiados) de jogos estrangeiros já existentes – e que, muitas vezes, também são clones de outros jogos que vieram antes! A crise de conteúdo no mundo dos jogos é um assunto tão debatido ultimamente que até mesmo gente de fora da indústria já sabe o que está acontecendo. Diversos artigos são escritos sobre isso semanalmente, os estúdios independentes são enaltecidos como o último bote de salvação, etc etc. Então qual o sentido de nós, developers brasileiros, querermos fazer jogos de tiro em primeira pessoa, ou jogos de estratégia em tempo real, se mesmo os jogos feitos pelas empresas que inventaram esses estilos, com anos de experiência e excelência técnica, já estão sendo descartados e taxados de repetitivos e monótonos?

Então, o primeiro passo já é tentar fugir dos estereótipos e criar jogos criativos e com estilo próprio. Alguém pode querer argumentar que, se lá fora, onde o mercado é grande e lucrativo, já é muito difícil alguém lançar um jogo inovador, aqui então seria impensável. Pelo contrário! O mercado brasileiro, por estar ainda incipiente em sua organização, não sofre dos vícios das grandes publishers estrangeiras. Nós instintivamente os imitamos, sim, mas não porque temos uma história pessoal de sucesso com o estilo X ou Y e preferimos nos mantermos na estratégia vencedora, e sim porque esperamos que o sucesso da Eletronic Arts ou da Blizzard vá se repetir por aqui se fizermos e publicarmos apenas os exatos mesmos jogos para o exato mesmo público. O que, francamente, é a maior besteira! Com um mínimo de conscientização, tanto os publishers quanto os developers brasileiros poderão desviar do pré-estabelecido e ousar seguir em novas direções, com o vigor de quem acabou de entrar na jogada e tem energia e disposição para arriscar.

Ainda falta o segundo passo, mas esse fica para a parte 2 do artigo. Até lá.


[1]leia o artigo completo (em inglês) em: http://lostgarden.com/2005/11/five-step-program-to-move-beyond-game.html

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