janeiro 09, 2006

 

O Caminho das Pedras - problemas e suas (possíveis) soluções no mercado nacional de jogos - parte 1

Todo mundo que se interessa por jogos eletrônicos além da trivial questão "o que comprar no camelô semana que vem" ou "o que dar pro meu filho no Natal" sabe que o mercado brasileiro está simplesmente errado. Dominado pela pirataria, recebendo efusivos incentivos verbais e iniciativas limitadas por parte do governo, ignorado por quase todas as forças econômicas brasileiras, a coisa realmente não parece em condições ótimas para os desenvolvedores de jogos nacionais – muito embora o surgimento de vários cursos nessa área de uns anos para cá tenha feito parecer que o nosso mercado de games está prestes a explodir em glória, ao menos para os alunos dos mesmos.

Eu mesmo sou um desses estudantes de game design, que entrou num curso crente que iria sair de lá direto para o estrelato como o designer-revelação do Independent Games Festival do ano seguinte. Obviamente, é natural que a realidade ajude a diminuir bastante as expectativas de um jovem sonhador, mas ainda assim, será que o Brasil não merecia um mercado mais inteligente e coeso do que o que se apresenta hoje em dia? Será que um mercado de jogos eletrônicos no Brasil é um sonho impossível?

Eu espero não estar sendo muito ousado ao dizer: não, definitivamente não! E pretendo compartilhar algumas das opiniões que me levam a crer que realmente há um mercado milionário esperando para ser descoberto em terras brazucas, mas ele – surpresa, surpresa – não está aonde todos o estão procurando.

Antes de analisar o mercado brasileiro, é necessário analisar o mercado de jogos como um todo. Recentemente, a indústria norte-americana de jogos alardeou aos quatro ventos que tinha ultrapassado a indústria cinematográfica em geração de lucros. Certamente todo mundo (ao menos, todo mundo que se dá ao trabalho de ler um blog sobre o assunto, como este) já ouviu isso em algum lugar e se sentiu muito orgulhoso. Porém, isso não é nem de longe verdade. Primeiro de tudo, a comparação é entre lucro de venda de jogos versus lucro de box office, ou seja, bilheteria. Se levarmos em conta o mercado de home video/DVDs, que hoje em dia é responsável por metade do lucro das produtoras de cinema, a indústria de jogos perde de muito. E isso sem nem entrar no mérito do merchandising.

Além disso, o excelente blog Lost Garden, mantido por um insider da indústria com currículo extenso e idéias bastante inovadoras (leitura obrigatória para quem sabe inglês, aliás), publicou recentemente um artigo fantástico chamado "Um Programa de Cinco Passos para Evoluir Além dos Jogos"[1], que diz que, segundo estatísticas, enquanto o mercado norte-americano está de fato crescendo, a taxa de crescimento é de 7,3% ao ano, muito longe de ser um mercado em franca expansão. Como objeto de comparação, ele mostra que o mercado de aparelhos celulares cresce à taxa de 19,1% ao ano. Além disso, a base instalada de consoles nos EUA é de 35 milhões de aparelhos, enquanto a de TV a Cabo, por exemplo, é de 200 milhões, e a de PCs de 500 milhões. Logo, o mercado americano nem é grande, nem está crescendo rapidamente como a "ultrapassagem" sobre o cinema faria deduzir. Além disso, a ilusão de crescimento incha a indústria, mas não a massa consumidora. Isso gera uma competição feroz por uma fatia fixa do público enquanto uma quantidade muito maior de consumidores em potencial permanece ao largo do mercado. O autor resume sua opinião no seguinte trecho:


"Então, nossa grande população de jogadores é realmente uma coisa insignificante se você olha de fora da nossa pequena comunidade insluar. Enganamos a nós mesmo dizendo que a indústria 'venceu' porque os poucos jogadores que angariamos gastam uma imensa quantidade de dinheiro. Nós temos até eventos badalados na MTV. Desculpem."


Mas o que os problemas do mercado norte-amerciano têm a ver com o nosso inexistente mercado brasileiro? Para ser bem direto: tudo. O mercado brasileiro se espelha no americano até o último fio de cabelo, e quanto mais nós somos ignorados pelas softhouses e empresas americanas, mais tentamos ser iguais a eles. Então, se o sistema deles tem sérias falhas, é essencial ao nosso mercado entender e evitar a repetição inútil de erros já cometidos historicamente em outro lugar, mesmo que esse outro lugar seja nosso sonho de consumo (ou principalmente).

O maior e mais grave erro do mercado brasileiro é tentar competir com o norte-americano. É uma corrida impossível de vencer, visto que eles têm 20 anos de vantagem em relação a nós, E o produto deles já estabeleceu seu mercado consumidor aqui. Gamers que jogam os jogos americanos e japoneses dificilmente vão abandoná-los para ficar com os nacionais. E não é por preconceito e nem por diferença de qualidade, mas sim porque os jogos brasileiros são, em 90% dos casos, "derivados" (para não dizer copiados) de jogos estrangeiros já existentes – e que, muitas vezes, também são clones de outros jogos que vieram antes! A crise de conteúdo no mundo dos jogos é um assunto tão debatido ultimamente que até mesmo gente de fora da indústria já sabe o que está acontecendo. Diversos artigos são escritos sobre isso semanalmente, os estúdios independentes são enaltecidos como o último bote de salvação, etc etc. Então qual o sentido de nós, developers brasileiros, querermos fazer jogos de tiro em primeira pessoa, ou jogos de estratégia em tempo real, se mesmo os jogos feitos pelas empresas que inventaram esses estilos, com anos de experiência e excelência técnica, já estão sendo descartados e taxados de repetitivos e monótonos?

Então, o primeiro passo já é tentar fugir dos estereótipos e criar jogos criativos e com estilo próprio. Alguém pode querer argumentar que, se lá fora, onde o mercado é grande e lucrativo, já é muito difícil alguém lançar um jogo inovador, aqui então seria impensável. Pelo contrário! O mercado brasileiro, por estar ainda incipiente em sua organização, não sofre dos vícios das grandes publishers estrangeiras. Nós instintivamente os imitamos, sim, mas não porque temos uma história pessoal de sucesso com o estilo X ou Y e preferimos nos mantermos na estratégia vencedora, e sim porque esperamos que o sucesso da Eletronic Arts ou da Blizzard vá se repetir por aqui se fizermos e publicarmos apenas os exatos mesmos jogos para o exato mesmo público. O que, francamente, é a maior besteira! Com um mínimo de conscientização, tanto os publishers quanto os developers brasileiros poderão desviar do pré-estabelecido e ousar seguir em novas direções, com o vigor de quem acabou de entrar na jogada e tem energia e disposição para arriscar.

Ainda falta o segundo passo, mas esse fica para a parte 2 do artigo. Até lá.


[1]leia o artigo completo (em inglês) em: http://lostgarden.com/2005/11/five-step-program-to-move-beyond-game.html

Comments:
Cito o caso do primeiro CD do Rouge (sim, aquele grupinho ruinzinho de meninas bonitinhas) como um bom exemplo de trabalhar nesse tipo de mercado.

O mercado de CDs também sofre com um índice altíssimo de pirataria no Brasil. Então foi lançado um CD do Rouge que fazia as pessoas QUEREREM comprar o original: com vários extras multimídia, encarte especial com glitter, credencial de fã-clube oficial dentro do encarte. Vendeu horrores.

Acho que durante o processo criativo, o designer de jogos deve se ater a isso: pensar nos atrativos que o seu produto terá para que as pessoas queiram comprá-lo, e não arrumar uma cópia pirata.
 
Não somente isso, dá para se estender até mais, lembrem-se que CDs são mídias de conteúdo ultrapassadas, até porque chutando por alto é fácil dizer que uma porcentagem esmagadora das pessoas que tem dinheiro para ter jogos eletrônicos tem dinheiro para ter um computador bom e/ou um console, o que hoje em dia no Brasil já pode ser dito que é sinônimo de ter acesso a internet, e mesmo que a banda larga não seja maioria, esta em crescimento... nós podemos fazer o que as gravadoras e distribuidoras monolíticas nos EUA estão morrendo de medo de fazer, que é inovar em todos os sentidos, não só de conteúdo, mas de distribuição tbm...
 
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